segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Sexo frágil e Bisturis ( Análise de Garota Exemplar de David Fincher)



    Muitos torcerão o nariz... mas Gone Girl é não só o melhor filme do David Fincher como um dos melhores da década. Há tanto a se falar sobre ele que vou me restringir a pontos. Aliás, esse é o triunfo do filme: restringir para tornar elásticas as interpretações que vem aos poucos depois que o créditos sobem.
     O filme começou a fazer-me mexer na cadeira ( e isso é um ótimo sinal) quando começamos a ver os créditos iniciais que passam numa velocidade de telefilme, como se o diretor tivesse pressa pra contar a história, que daria tranquilamente conteúdo para um seriado de 3 temporadas, mas o projeto de 2 horas e meia tinha que ser cirúrgico. A primeira cena e a última cena são iguais, mas ele consegue fazer-nos, no tempo do filme, ver duas cenas diferentes.
       O roteiro tratou desenvolvimento de cada personagem com diálogos absolutamente precisos, que saiam da boca da propria , e logo era reforçada pelo dialogo seguinte.E se isso ja não bastasse, as frases soltas tridimensionalizavam o caráter cultural do microcosmos ali presente, criando um sinismo e uma ironia que não vejo desde o "clube da luta", talvez o seu filme mais cult.
  Enquanto "Fight Club" criticava em cores o tipo de sociedade machista competitiva que estávamos inseridos, "Garota Exemplar" conta o que aconteceu com esse macho de 20 anos atrás: foi reduzido a um moleque castrado pelo fio de sexualidade que o torma util ainda hoje.
Mas o esposo por tentar se encontrar num típico exemplar de macho alfa moderno demora pra perceber que está sendo posto em extinção. Não satisfaz a expectativa de  sua esposa que tem a aura exemplar da mulher americana perfeita , e renuncia suas "responsabilidades" que a sociedade feminina lhe cobra e vai puni-lo de forma cruel.
Mesmo focado na força da protagonista ( interpretada brilhantemente por Rosamund Pike) todas as mulheres do filme tem a postura do domínio e controle sobre os coadjuvantes homens. "Estou cansado de ser humilhado pelas mulheres" confessa o personagem de um competente nulo Ben Afleck, fazendo papel pamonha que tem sido cada vez melhor ao diretor Afleck do que ao Ator Afleck. Até a mãe que é só citada em um diálogo tem domínio no casal de gêmeos.
 É leviano achar que o filme é  misógeno como Anticristo do Trier. Flerta mais com a novela do McCarthy "A Estrada" , de uma forma avessa. Ele chama atenção não ao passado ou ao futuro, como nesses filmes, mas sim ao presente. Pós recessão : a mulher está muito mais organizada emocionalmente pra enferentar as perdas, por que os valores naturais delas não passam pelos economicos, e sim, segundo o livro adaptado, pelo sexo e pela prole. É um momento de adaptação (da natureza dos comportamentos), onde monstros (ou monstras) guardados no armário aparecem. Como a cultura do "parecer verdade" , forjar sentimentos e fatos é mais primoroso que a verdade em si, é a maior arma que o ser humano tem, e esse talento o feminino supera anos-luz do masculino.
   Mesmo se repetindo em um filme de crime e suspense, Fincher universaliza, muda foco e mostra que é capaz de ser um ótimo contador de história sem precisar desesperadamente anunciar sua presença como Tarantino e Wes Anderson. Mas ele está lá, com seu bisturi bem afiado.
 

Nenhum comentário:

https://www.paypal.com/br/cgi-bin/webscr?SESSION=w8CUwMwYB1IIOH%2dO6WgiIXPNEe%2dnyusZYrbcNceqMe6NLlfTWyVLkhnkhUu&dispatch=5885d80a13c0db...